O impacto da guerra Rússia-Ucrânia no populismo de direita na Europa

Autoria: Sabine Roehrig-Mahhou

O dia 24 de fevereiro de 2022, ficou marcado como o dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia e desencadeou o pior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Na Ucrânia, dezenas de milhares de pessoas foram mortas, inúmeros edifícios e infraestruturas ucranianas foram destruídos, e milhões de pessoas assistiram à aniquilação dos seus lares e das suas vidas.

Para outros países, a guerra acrescenta também receios e incertezas ao nível da situação de segurança e no que diz respeito ao estado económico da Europa. A guerra interrompeu o comércio global que estava ainda em recuperação dos agravamentos provocados pela situação pandémica. Os preços dos alimentos, do gás, do petróleo e muitos outros produtos aumentaram drasticamente, o que teve um impacto notável na vida das pessoas em todo o mundo.

As consequências relativas à guerra da Ucrânia mudaram drasticamente as políticas europeias. Para os populistas, esta situação oferece mais oportunidades, uma vez que a situação de instabilidade estão a alimentar o apoio ao populismo em ambos os extremos do espectro político.

“O repertório de estratégias e respostas à guerra demonstrou a capacidade da direita radical populista de se adaptar rapidamente, adotar novas questões e discursos e colocá-los sob um prisma populista de direita radical” [1].

Num novo relatório, publicado em março de 2023 pelo Centro Europeu de Estudos do Populismo é analisado o impacto da invasão russa no populismo de direita na Europa [2].

Tradicionalmente, muitos partidos populistas de direita radical têm laços com a Rússia. Isto inclui o Partido da Liberdade (FPÖ) na Áustria, o Partido da Liberdade (PVV) e o Fórum para a Democracia (FvD) nos Países Baixos, a Lega em Itália, bem como o Rassemblement National (RN) e o Reconquête! em França. “Estes partidos ilustram a admiração da direita radical populista pelo autoritarismo e pela política iliberal de Putin, bem como a sua defesa enérgica dos valores cristãos e da oposição ao Islão”[3]. Em particular, este último aspeto é também compartilhado pela AfD alemã, Alternative für Deutschland. O VOX na Espanha, o Fratelli d’Italia (FdI) na Itália e o Chega em Portugal têm laços mais fracos com a Rússia, de acordo com o relatório. Estes partidos podem simpatizar com o apoio de Putin aos valores da família ‘tradicional’, a oposição aos direitos LGBTQ e o que chamam de ‘ideologia de gênero’ esquerdista, mas não apoiam a política externa do Kremlin” [4].

Após a eclosão da guerra, os populistas de direita foram criticados pelas suas posições pró-russas e pela sua simpatia por Vladimir Putin [5]. Como consequência, muitos partidos populistas condenaram a guerra, por exemplo, Le Pen (RN) em França ou Meloni (FdI) em Itália, também AfD na Alemanha e o Chega em Portugal. Mas há diferenças no grau de distanciamento em relação à Rússia.

É percetível, no entanto, que existem mais partidos populistas da direita radical hesitantes em apoiar as sanções contra a Rússia do que a condenar a guerra em si. Tal deve-se à ligação direta das sanções às dificuldades económicas, como a inflação elevada e a volatilidade dos mercados.

Os populistas têm uma boa capacidade para percecionar a opinião pública. Captam preocupações e utilizam-nas para os seus próprios fins. Normalmente, não propõem soluções próprias e, muitas vezes, distraem do problema real e da sua causa, concentrando-se num problema e simplificando-o. Já no passado, as crises provaram ser benéficas para o crescimento dos partidos populistas (por exemplo, a crise financeira em 2008, a guerra na Síria e a crise dos refugiados em 2015).

Em setembro de 2022 e em março de 2023, cerca de 10 000 pessoas juntaram-se no centro de Praga e exigiram o término da guerra, o fim da NATO e das sanções contra a Rússia, bem como o início das negociações para o fornecimento de gás russo barato. As manifestações foram coorganizadas por vários partidos marginais de esquerda e direita, incluindo o Partido Comunista e o SPD [6].

Na Alemanha, as manifestações de segunda-feira (em alemão: Montagsdemonstrationen in der DDR), que se tratam de uma série de protestos políticos pacíficos liderados por Raila Odinga contra o governo da República Democrática Alemã (RDA) que tiveram lugar em vilas e cidades de todo o país em vários dias da semana de 1989 a 1991, estão a ser reinterpretados [7]. A escolha de Leipzig como local para as manifestações tem uma poderosa ressonância simbólica: na década de 1980, as manifestações de segunda-feira de Leipzig provaram ser um precursor da queda do Muro de Berlim e, mais tarde, da Alemanha Oriental e da União Soviética. Hoje, as marchas são geralmente contra o aumento do custo de vida, (apoiada pela maioria) a oposição contra as sanções sobre a Rússia e a entregas de armas à Ucrânia. Em outubro de 2022, intensificaram-se quando manifestantes apelidaram e insultaram refugiados de guerra ucranianos como “nazistas”. Os cânticos audíveis incluíam “Vocês estão a viver às nossas custas” e “nazistas fora”, aparentemente uma alusão à Rússia rotulando repetidamente as autoridades ucranianas como fascistas.

O aumento dos custos dos alimentos e da energia, bem como a insegurança económica, podem aumentar ainda mais a insatisfação com os governos nacionais. Os partidos populistas usam esta insatisfação e os problemas socioeconómicos, ligam-nos às sanções e sublinham os seus custos para a população.

Na Alemanha, Alice Weidel (AfD), afirmou que o “principal perdedor” da guerra não é nem a Rússia nem a Ucrânia, mas a Alemanha, sendo vítima da guerra económica [8].Em Portugal, André Ventura (Chega) questionou o apoio financeiro português à Ucrânia e a outros partidos populistas europeus de forma semelhante e explora questões relacionadas com a guerra, como os preços da energia. No entanto, não são propostas soluções realistas ou alternativas aceitáveis às ações dos governos.

“Ao direcionar o debate para questões socioeconómicas internas, os partidos populistas de Direita Radical conseguiram manter as suas posições antielite e antissistema, apelando aos eleitores frustrados ao mesmo tempo que evitam perguntas desconfortáveis sobre as relações passadas com o Kremlin. Assim, a guerra provou ser outra arena frutífera para transmitir argumentos populistas de extrema-direita e jogar com os medos e frustrações dos eleitores” [9].

Referências:

[1] Ivaldi, G., & Zankina, E. (2023, March 5). Conclusion for the report on the impact of the Russia–Ukraine War on right-wing populism in Europe. European Center for Populist Studies. Retrieved March 8, 2023, from https://www.populismstudies.org/conclusion-for-the-report-on-the-impact-of-the-russia-ukraine-war-on-right-wing-populism-in-europe/

[2] Ivaldi, Giles & Zankina, Emilia (Eds). (2023). The Impacts of the Russian Invasion of Ukraine on Right-wing Populism in Europe. European Center for Populism Studies (ECPS). March 8, 2023. Brussels. https://doi.org/10.55271/rp0010

[3] Ivaldi, G., & Zankina, E. (2023, March 5)

[4] Ebd.

[5] Sierakowski,  S. (2023 January 17) Russian Aggression Is Undermining Populism. German Council on Foreign Relations. Retrieved March 10, 2023, from https://dgap.org/en/research/publications/russian-aggression-undermining-populism

[6] Tens of thousands protest government in Prague. Retrieved March 10,2023, from https://www.dw.com/en/czech-republic-thousands-take-part-in-prague-anti-government-demonstration/a-63012178

[7] Fürstenau, M., (2022, May 9). Germans revive Cold War Monday demonstrations. Retrieved, March 16,2023 from https://www.dw.com/en/germans-revive-cold-war-monday-demonstrations-amid-inflation/a-63025218

[8] Interview Alice Weidel with Volker Finthammer (2022, October 16). Retrieved, March 16, 2023 from https://www.deutschlandfunk.de/alice-weidel-afd-ukraine-krieg-100.html

[9] Ivaldi, G., & Zankina, E. (2023, March 5)

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