Autoria: Izan Coronciuc
Todos já ouvimos falar no termo fake news. É evidente o impacto que a globalização e que a democratização, desempenharam na sua promoção. Não podemos deixar de ter em mente que as fake news são um fenómeno social, mas nenhum fenómeno social existe independente de todo o sistema social no qual está inserido [1].
Assim, podemos considerar que a ideia de fake news é acompanhada pelo que Charles Taylor chamou de cultura (ética) da autenticidade. Segundo Taylor [2], a preocupação com a autenticidade teve início no século XVIII: “Supõe-se que há uma certa maneira de ser humano, que é so minha. Ao formular esta originalidade, define-me por realizar uma potencialidade que só é minha”. Isto é o que podemos considerar ser a base para compreender o ideal moderno de autenticidade e os objetivos da autorrealização.
O mais relevante é que a autenticidade se tornou cultura e, portanto, normativa. A era moderna começou com a ideia de que um homem é o que se torna; o corpo é um projeto, a saúde é um plano de negócios, o estado de espírito é uma questão de autocontrole, e assim por diante. Sob o efeito sedutor do mercado, os indivíduos começaram a acreditar nisso e a internalizar essa responsabilidade pela felicidade.
A felicidade tornou-se uma obrigação. Os governos começaram a falar de bem-estar em vez de felicidade, e a felicidade tornou-se um indicador económico. A evolução teleológica da humanidade para o progresso e o bem-estar limita-se, assim, ao desenvolvimento atual do indivíduo para a autorrealização e a felicidade.
O ideal de autenticidade liberta uma componente emocional e coloca-a numa posição dominante sobre a espiritualidade e a razão, que durante tanto tempo foram as únicas instâncias do ser humano pleno. Assim, entramos no reino do emocional, onde vivemos autêntica e fielmente; e onde já não comunicamos, mas expressamo-nos. Nada disso teria sido possível sem a revolução mediática em rápida evolução.
A humanidade levou milênios para passar da expressão oral para a escrita, séculos para passar da comunicação escrita para a visual, mas apenas décadas para passar para o que é a nova forma digital de comunicação de hoje.
Não só a Internet contribuiu para isso, mas também a fusão de um telefone (o oral), uma máquina de escrever (o escrito) e uma câmara (o visual): o resultado é o objeto mais banal e íntimo da atualidade, o smartphone, que reúne, ao alcance de todos, todos os sistemas de comunicação essenciais inventados pela humanidade ao longo da sua história.
Esta comunicação digital, num constante processo de mudança e desenvolvimento dos seus meios técnicos, tem tido também um efeito na compreensão da verdade, aprofundando o conflito entre gerações, ou, mais precisamente, a mudança da sua natureza.
Muito simplesmente, a geração das crianças já não fala a mesma língua que a dos pais; e o fosso está a diminuir à medida que o ritmo da mudança tecnológica acelera. Razão suficiente para qualquer geração emergente procurar os seus próprios referenciais de autenticidade e verdade.
As instituições estatais e de mercado, através dos meios de comunicação social, têm sido instrumentais na promoção da “verdade”. Promovem, à sua vontade, as “boas notícias” (por exemplo, a ideologia da felicidade e do pensamento positivo), as “más notícias” (por exemplo, a indústria do medo) e as perturbadoras “notícias falsas”, de modo que já ninguém sabe realmente qual é a realidade, mas todos reagem de acordo com a sua imagem espontânea dela.
A última crise apanhou a maioria das pessoas de surpresa. Foi embrulhada numa série sucessiva e complexa de notícias verdadeiras e falsas, de modo a que poucos saibam qual foi a verdadeira causa, mas referenciam a todos o real efeito da pandemia de COVID-19: a queda do padrão de vida e o aumento da insegurança. Como resultado, percebe-se que a insatisfação crescia em todos os lugares, um dos possíveis principais efeitos foi o declínio da confiança na autoridade (seja ela qual for). Em geral, a confiança nas pessoas, mas sobretudo nas instituições – em primeiro lugar no Estado e nos meios de comunicação social – está a diminuir a ritmos estonteantes [3].
O que resta nestas condições? As nossas emoções sinceras e genuínas. Estes são captados e amplificados pelas redes sociais, que geram o seu próprio universo de “verdades”. Um universo que a política pode explorar a seu favor.
O autor e historiador John Lukas dizia: quando a política abdica da razão e da verdade (pelo menos como ideais e critérios universalistas), o populismo toma conta, usando as emoções do “povo” e amplificando-as para servir os seus próprios interesses.
E quem são as pessoas? É a maioria eleitoral? É, claro, um critério, mas esta maioria é cada vez mais composta por multidões emocionais que escolhem o mal menor, que votam contra “em vez de” do “a favor”. Cidadãos, todos eles? Deveriam sê-lo, mas as divisões entre eles são cada vez menos doutrinárias, ideológicas, o que dificulta cada vez mais a negociação democrática dos conflitos. Nestas condições, o populismo, que fala a linguagem das emoções, ganha inevitavelmente força.
Se acompanharem de perto o projeto We-Europeans, terão os instrumentos necessários para travar o avanço do populismo e, com isso, enquanto pessoas, todos ganhamos.
[1] Mottola, S. (2020). Las fake news como fenómeno social.
[2] Ruiz Schneider, Carlos. (2013). Modernity and identity in Charles Taylor
[3] World Values Survey Wave 7: 2017-2022.
Referências:
Mottola, S. (2020). Las fake news como fenómeno social. Análisis lingüístico y poder persuasivo de bulos en italiano y español. Discurso & Sociedad, 14, 683-706. https://http://www.dissoc.org/ediciones/v14n03/DS14(3)Mottola
Ruiz Schneider, Carlos. (2013). MODERNIDAD E IDENTIDAD EN CHARLES TAYLOR. Revista de filosofía, 69, 227-243. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-43602013000100017
Rosales Maena, D. R. M. (2016). El surgimiento de un yo Las raíces agustinianas de las ideas de “identidad” y “autenticidad” en Charles Taylor. Revista de Filosofia, 48(140), 87-110. https://revistas.ibero.mxfilosofia/uploads/volumenes/11/pdf/Revista_filosofia_140.pdf
Maldonado Serrano, J. F. (2010). Taylor, espacio público para la democracia: acercamientos a la política desde la ontología moral. Reflexión Política, 5(10). Recuperado: https://revistas.unab.edu.co/index.php/reflexion/article/view/700
Resina, J., & Güemes, C. (2020). INSTITUCIONES ABIERTAS Y CREACIÓN DE CONFIANZA: EXPERIENCIAS DESDE ESPAÑA. Revista De Gestión Pública, 8(1), 43–70. https://doi.org/10.22370/rgp.2019.8.1.2189